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M A G i s

MAGIS: O mais, maior, mais alto, mais profundo. O que sou e o que posso vir a ser. O que me falta, o que me eleva e acrescenta. O sentido positivo de tudo o que me acontece. O que mais me aproxima da vida verdadeira. MAG is...

M A G i s

MAGIS: O mais, maior, mais alto, mais profundo. O que sou e o que posso vir a ser. O que me falta, o que me eleva e acrescenta. O sentido positivo de tudo o que me acontece. O que mais me aproxima da vida verdadeira. MAG is...

02.10.19

O que é o pior que me pode acontecer?


MAG

Adiamos e adiamos e adiamos decisões por medo. Medo de perder o que temos como conquistado e garantido, pois sabemos que quase todas as escolhas implicam perdas. E nós queremos avançar, progredir, inovar, mudar, mas no fundo, no fundo, era melhor poder ter sempre em banho Maria aquilo que as escolhas nos obrigam a deixar para trás.

Somos peritos no "E se?". Mesmo sendo muito optimistas, o "E se?" dá às vezes um frio tão grande na barriga, que só esse desconforto é suficiente para por o pé no travão e deixar para mais tarde o momento X. E, depois, somos também peritos a revalorizar o que temos ou, muitas vezes, a sobrevalorizar. Afinal não estou nada mal como estou, nem me posso queixarfalo de barriga cheia (e fria!), mais vale um pássaro na mão do que dois a voar, etc., etc., etc... é ou não é?

Podemos começar por parar na última expressão: mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Preferir ter um pássaro na mão do que dois a voar já não augura nada de bom. Talvez nenhuma expressão traduza tão bem a nossa obsessão pelo controlo. Temos, em geral, medo de voos! E se os pássaros fogem e não voltam mais? E se não vão para onde eu quero? E se me atacam? E se...? Sim, um pássaro na mão é garantido. Mas convém perceber até que ponto nos realiza ou faz felizes a fortuna de ter um pássaro na mão.

Tenho noção do meu optimismo, embora centenas de vezes seja também travada pelos "E Se?". Mas tenho, ao mesmo tempo, um lado mais rebelde e questionador que não me dá tréguas. Quando a figura do Velho do Restelo começa a dominar muito o meu cenário interior, isso também gera em mim um desconforto grande, um quase desprezo pela minha falta de coragem para virar as mesas que têm de ser viradas. É como uma desilusão de mim mesma.

- Menina. Mariquinhas. O teu passar(inho) na mão é ridículo.

É nessa altura que me obrigo a parar para equacionar o que está em causa. Equaciona-se, antes de mais, com o coração. Sente-se. Pergunta-se e o coração responde: tranquilo, leve, em paz, se lhe agrada o caminho; crispado e desconfortável, se o caminho lhe é penoso; cheio, se não tem dúvidas; inquieto, se procura ainda a solução. Para os crentes, Deus está nestas moções de consolação ou desolação. Elas são sinais do nosso alinhamento ou desalinhamento com Ele e com a Sua vontade. Sendo que a Sua vontade é - sempre e acima de tudo - que sejamos felizes. Mas sou capaz de concordar imediatamente com quem me disser que não é preciso crer para ter estas sensações. Os apertos, a inquietação, o respirar fundo libertador,  todas as moções são reacções desencadeadas por um de muitos agentes possíveis. A única coisa verdadeiramente necessária é a verdade. Acima de tudo, connosco. Não vale fingir que não percebemos o que o coração sente, não sente, cala ou responde.

Quando consigo não desistir durante esta primeira fase, a fase seguinte chega mais pragmática. Mas nem por isso mais leve. Chegada ao ponto de imaginar qual é o caminho que o coração aponta, importa desmistificar o que continua a atormentar-me, antes de decidir. O coração e a razão raramente chegam de mãos dadas ao ponto de decisão. O coração é mais livre. A razão mais receosa, mais controlada. Mais realista, talvez. Tão realista que é capaz de voltar a sobrepor-se a tudo, na Hora H. Sinto que há um tempo para lhe dar atenção, para a ouvir, para a sossegar. A razão está sempre preocupada com coisas práticas. É a operacional da equipa. 

Há uns tempos comecei a perguntar-lhe (ou a perguntar-me) incessantemente: o que é o pior que me pode acontecer? Sim: neste caminho que tenho à frente, para onde o coração me empurra, qual é a pior coisa que me pode acontecer?

Não é uma pergunta de resposta fácil, sobretudo tendo em conta que às vezes o coração nos empurra para caminhos antes inimagináveis, em todas as dimensões da nossa vida. E por regra tendemos a não querer saber das piores coisas. Lá está o medo, sempre. Mas se tivermos a coragem de verbalizar, de dar nome às piores coisas, pode ser que vejamos o seu tamanho diminuir consideravelmente.

Geralmente as piores coisas que nos podem acontecer correspondem exactamente à perda do que tínhamos como garantido. Posso perder o emprego, posso arrepender-me de deixar um projecto, posso ter de mudar para uma casa mais pequena, posso ter de cortar despesas, posso perder um ou outro amigo, posso desiludir-me, posso sofrer... No fundo, temos medo da irreversibilidade, do definitivo. Parece que anulamos antecipadamente a capacidade, já experimentada, de nos levantarmos depois das quedas.

Mas se formos mais além e perguntarmos, para cada possibilidade: E qual é a pior coisa que pode acontecer se perder o emprego? Ter de procurar outro, ter de começar de novo? Qual é o problema de ter de mudar para uma casa mais pequena? Fazer as mudanças, enfrentar as perguntas, deixar de ter um closet? E se perder um ou outro amigo, qual é o problema? Não será que os amigos não se perdem? E por aí fora, até dissecarmos - ou pelo menos relativizarmos - todos os medos que nos paralisam e aprisionam.

As perdas são uma ínfima parte das mudanças. São o que não tem força para sobreviver. Acontecem muitas vezes para que se abra espaço de qualidade. Para que corra o vento, para que a casa areje, para que os olhos vejam outras paisagens, para que o coração respire fundo e agradeça. À medida que vamos dando passos em caminhos novos, percebemos que muitas perdas são bençãos! São ganhos! São ganhos de verdade, de liberdade, de saúde, de vida! 

Parece fácil, resumido assim. Mas não é. É uma luta, sempre. Cansa. Dá vontade de desistir pelo meio. Dá vontade de carregar no UNDO e pronto, não se fala mais nisso, foi um desvario, foi uma loucura, anda cá passarinho, fica quieto na minha mão. Mas pior do que atravessar a dureza das escolhas e do que lidar com todas as incertezas, é viver comandados por "E ses".  Passar os dias com a razão arrumadinha e o coração desalinhado. Matar os sonhos. Desistir. Não viver com medo de sofrer. Isso sim, é o pior que nos pode acontecer.

 

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Photo by MAG

 

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